Um homem de ensinamentos e musicalidade

Por Angelina Miranda

Ao chegar no projeto é difícil distinguir quem é o professor ou quem o coordena. Vestido de forma simples, Alexandre ensina as principais técnicas de mixagem aos alunos atentos que de tão concentrados nem nos dão atenção.
Apreciador da música desde pequeno, fez desta arte uma forma de trabalho. Toca em festas há mais de quinze anos, além de consertar computadores, uma de suas outras funções. Analisa sua relação com a música como um instinto, desde pequeno olhava como os garotos maiores tocavam e assim foi aprendendo, sem saber que um dia aquilo se tornaria sua profissão. Segundo ele conhecer um pouco de tudo é fundamental, principalmente para quem trabalha na música, não se pode limitar a conhecer apenas um estilo musical.
Este paulista respira o projeto Periferia Ativa, que exige muito tempo e disposição. “Faço o meu trabalho porque gosto não é uma obrigação, de ter que bater cartão, nada disso posso até estar um pouco cansado, mas quando penso para onde vou tudo muda.”
Por ser uma pessoa sempre a se preocupar com os demais, acabou sendo nomeado para ser presidente da instituição.
Além disso, é criador do logotipo do Periferia Ativa, que muito têm a ver com os ideais e conceitos do projeto.
Acredita que o rap é mais do que um estilo musical, é uma filosofia de vida. “Se o garoto da periferia ouve as músicas de protestos cantadas pelos rappers, pode ver que aquela realidade é a sua também, e com certeza irá desenvolver uma consciência mais crítica.” Além de estar sempre ocupado correndo atrás de colaboradores, empresas e pessoas dispostas a ajudar, está sempre atento ao que as crianças estão aprendendo, mas aconselhando também, “Dia desses falei para um aluno do projeto, por você ter nascido na favela já será discriminado no mundo, se lamentar não resolve nada. Tem que levantar a cabeça, estudar e seguir em frente, para quem já nasce condicionado a ser tratado como marginal os caminhos serão sempre mais estreitos.” Comenta Alexandre.
Com seu filho não é diferente pai do Israel de 13 anos, repassa sempre os mesmos ensinamentos. Parece que o filho anda querendo puxar o pai, “ Recentemente ele ganhou um violino do Seu Jorge, e desde então não para de tocar. Quem sabe não é mais um à entrar na música”, afirma risonho o pai coruja.
Alexandre além de discotecar é integrante do grupo Negredo com os irmãos Tór e Ylsão, fazendo shows em vários lugares de São Paulo. Pouco tempo atrás foram se apresentar num presídio em Franco da Rocha, e ao chegar lá reconheceram alguns detentos, que estudaram junto com eles.” Mal podíamos acreditar, gente que tinha sumido estava lá preso.” Alexandre vê um outro lado para tantas pessoas entrarem no mundo da criminalidade, “Algumas vezes são pessoas que nem necessitam daquilo, mas começam a entrar nesse caminho para ter respeito, poder e reconhecimento perante a favela.” Por este motivo criaram o projeto, acreditam na possibilidade de destinar outros caminhos aos moradores da periferia, as dificuldades sempre aparecem mas com força e perseverança estão lutando para transformar a realidade da comunidade.


A família é de sangue, música e ação


As escadas dos becos e vielas recebem nossos passos firmes que caminham rumo ao destino daquela tarde. As casas todas muito próximas pareciam uma coisa só, não somente pela estética, mas também pela relação de intimidade entre os moradores. Alguns olhos tristes, desolados são iluminados pelos grafites feitos nas paredes das vielas. O contexto às vezes pode até ser preto e branco, mas o grafite colore um pouco a vida daquelas pessoas. Neste ambiente um garoto nos leva até o Periferia ativa, para conhecer o projeto e um de seus precursores, Ylsão 32 anos.Entre as crianças e adolescentes que estão em aula encontramos Ylsão, atento ao que está sendo ensinado na aula de informática. Dentre os alunos um se mostra comovido, Dener de 13 anos, não acreditava trocar a rua pelas aulas de informática. Com os olhos serenos, e o jeito tímido, tenta da melhor forma se expressar: “Tudo mudou desde que eu entrei aqui eles não dão só aula, para a gente. O tio Ylsão sempre ajuda, pergunta se estamos indo bem, nos esforçando…Ele é muito legal, tem atenção comigo como se fosse meu parente.”
Assim como Dener, o filho de Ylsão também aproveita as aulas, talvez futuramente Yuri de quatro anos possa fazer esse curso, mas hoje gosta mesmo das aulas de capoeira. Com tão pouca idade, já se mostra esforçado seguindo o ritmo da dança africana, imitando o mestre.
A família é de sangue, música e ação. Ele e seu irmão Tór além de serem do mesmo grupo de rap o Negredo, ainda são peças chaves no projeto. Ylsão desde criança apreciava o rap, musicalidade que representa a sua realidade, e de muitos outros que são esquecidos pela sociedade.
Notando a densidade das letras do rap, começou a estudar, e percebeu que o rap não é só ritmo e poesia, mas também conhecimento.
A comunidade, onde Ylsão mora não é a mesma de quando ele era criança. Naquela época não havia muita “irmandade” entre as pessoas elas não se comunicavam, era cada um no seu canto. Mesmo com as festas que havia a coletividade ainda não era presente. Hoje o retrato social destas pessoas mudou, a favela está movimentada graças ao projeto e conseqüentemente aos shows que acontecem anualmente, o 100% Favela, que já recebeu grandes nomes do rap nacional como o Gog , Realidade Cruel e Consciência Humana .
“Alguns me perguntam por que a maioria das pessoas que se apresentam são sempre do rap. Não tenho muito o que dizer, convidamos pessoas de outros estilos musicais, mas não aceitam vir. Cobram um valor muito alto para se apresentarem, ou então, somente o nome do evento já os assustam.” Mas graças a sensibilidade de alguns cantores, ultimamente as coisas estão mudando um pouco : “ Trouxemos em 2008 o Seu Jorge que foi um grande sucesso, muito bem acolhido, e agora temos a honra de trazer a Leci Brandão. Dessa forma misturamos o público como por exemplo, esse ano quem não gosta de rap, pode vir pelo samba.” Afirma Ylsão. O projeto demanda muito tempo de sua vida, mesmo assim segue conciliando entre a família e os amigos. Com seu jeito simples e perseverante, Ylsão vai conquistando as pessoas e seus objetivos, não se deixando abater pelas dificuldades.


A transformação através do Rap


Por Paula Farias

Na última sexta –feira (27), o Portal Rap Nacional foi até a favela Godói, no Capão Redondo, extremo sul de São Paulo, para conhecer o Projeto Periferia Ativa.Antes, passamos pela Loja do Negredo, onde são vendidos diversos produtos como: livros, roupas, DVDs, CDs, entre outros produtos com a cara da periferia. O comércio funciona em parceria com a marca 1da Sul e produtos das duas marcas são vendidos em ambas as lojas.
Para conhecer o Periferia Ativa entramos por umas vielas , subimos escadas, passamos por crianças e adultos. Em todo o caminho encontramos paredes cheias de vida, coloridas com belos grafites. feitos por Gel (Miragem), em parceria com outros artistas. Antes de entrarmos na sede da ONG é possível perceber a transformação que o projeto fez na comunidade ao seu redor.
Periferia Ativa é um projeto enraizado dentro do coração da favela Godói. No espaço mantido pelo grupo Negredo são oferecidas gratuitamente oficinas de D, webdesign, gravação e edição de vídeos, capoeira, black, informática e estúdio de gravação musical. As oficinas são destinadas as crianças e adolescentes, mas os pequenos também não ficam de fora e a criançada de dois a cinco anos pode participar da brinquedoteca. Na sede do Periferia Ativa há também a Biblioteca Êxodus que empresta livros para toda a comunidade.Existem na Internet vários vídeos divulgando o Projeto , mas nada se compara com a emoção de estar pessoalmente, vivendo aquele momento.
As salas onde são dadas as aulas têm as paredes grafitadas, além de bonitas são espaços acolhedores, onde estão várias crianças, em sua grande maioria, meninos com histórias muita parecidas. Afro-descendentes que carregam na pele as marcas do preconceito imposta por uma sociedade hipócrita que ainda não superou as sequelas de mais de 450 anos de escravidão, que até os dias de hoje tratam os negros como inferiores.
Mas essas crianças com chinelos nos pés, roupas simples, olhares atentos têm agora a oportunidade de mudar o seu destino. É justamente isto que elas fazem ali estão lutando pela sua transformação, pois só o conhecimento liberta.
Todas as crianças que participam do Periferia Ativa frequentam a escola, essa é uma exigência para fazer parte das oficinas, pois o projeto não substitui a escola, é um complemento de aprendizagem. O envolvimento das crianças nas atividades é impressionante, a sede pelo saber que os motiva faz com que todas as oficinas sejam cheias todos os dias.
Enquanto os pais vão para o trabalho em ônibus lotados, para ganhar apenas o necessário para a sobrevivência da família, seus filhos estão aprendendo atividades que talvez seus pais não conseguissem pagar.Mas o Periferia Ativa esta ajudando a mudar essa realidade, essas crianças que variam de dois a quinze anos , estão contrariando a lógica imposta pelo sistema, porque estão longe das ruas, da criminalidade, se libertando e lutando por um futuro melhor.Precisavam apenas de uma oportunidade de alguém que as olhasse com amor e não com desprezo, que as tratasse como seres humanos.
Essa oportunidade começou no ano 2000 quando foi realizado o primeiro show 100% favela, feito para arrecadar fundos para manter o Periferia Ativa que estava só começando. A partir de então o projeto se mantêm com fundos arrecadados no show anual e com a ajuda de empresas e comerciantes que ajudam de maneira independente.
O idealizador do projeto Nego Du uniu o Ylsão, Alexandre e Tó, todos integrantes do Negredo, e também Ferréz e Mano Brown, para transformarem o sonho em realidade. Infelizmente Nego Du faleceu em 2004 e não está mais aqui para ver o quanto o seu sonho cresceu.
Mas o Negredo, juntamente com Ferréz e Mano Brown que são padrinhos do projeto, continuam na luta diária ajudando a transformar a realidade da comunidade onde ambos se criaram.


As transformações ainda são possíveis

Tudo isso é realizado graças aos esforços que não são poucos. “Para nos mantermos, comprando os materiais necessários, temos a festa 100% Favela , e também criamos bazares, feijoadas, para arrecadar verbas, nos unimos todos. E a gente vai levando por que, o projeto não pode parar”, comenta Ylsão.
Ylsão define o que significa o Periferia Ativa em sua vida “É uma escola ,cada dia se aprende mais, é possível perceber que o dinheiro não tem valor, quantas vezes nós não temos dinheiro , mas já acordamos com outra auto estima porque temos algo para fazer. Aprendemos com as crianças , coisas novas a cada dia e muitas vezes com uma atenção a mais que você dada ás crianças é possível mudar a trajetória delas, através de uma palavra um incentivo isso aqui é uma lição de vida”
Alexandre, Dj do Negredo e diretor do projeto também vive o sonho de manter esse projeto. “Para mim isso é especial por que amo isso aqui, tudo que se faz com amor, cresce. Isso é um pouco do meu sonho,do Negredo , Nego Du, Ferréz e Brow., Hoje estamos ajudando essas crianças a crescerem nós temos um papel importante, servindo de exemplo para que outras pessoas também se mobilizem e façam projetos e ajudem suas comunidades”.
As horas passam rápido e chegamos ao fim do dia, mas não da luta. É difícil sair desse lugar e não se sentir melhor, depois de presenciar as transformações sociais sendo feitas por pessoas empenhadas, que dedicam suas vidas para fazerem o bem por seus semelhantes, esse é o trabalho do Periferia Ativa.
Muito bem simbolizado pelo logotipo do projeto. Uma mão que erguer algumas casas, significando a mão de Deus levantando a favela. Agora conhecendo melhor o projeto todos estão convidados, a se unirem conosco nessa luta, no dia 11 de setembro, sabadão, na Festa 100% Favela, ela é fundamental para ajudar o Periferia Ativa a se manter.
Essa festa terá um diferencial porque é a comemoração de uma década do projeto que vem sendo realizado, nesses anos todos. Cada criança que participa do Periferia Ativa é um índice a menos nas estatísticas de violência. Sendo assim o projeto dentre tantos outros que acontecem é uma esperança na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.


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